segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A cidade imutável de Zora e as inevitáveis mudanças que temos que fazer...

Craco
A cidade esquecida de Craco na Itália. No seu caso, foi abandonada após um terremoto, suas estruturas comprometidas fizeram os habitantes irem embora. Na vida enfrentamos muitos terremotos e aqueles que não conseguem mudar para se adaptar acabam desaparecendo também, como nos conta a cidade de Zora... (fonte: https://theworldyourhome.com/2013/09/24/craco-a-ghost-town-in-italy/)

Demorou um pouco, mas vamos a outra das fantásticas Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino... a cidade de hoje vem num momento em que nosso curso se prepara, novamente, para uma grande mudança, que será devidamente explicada, discutida, ajustada, assim que suas diretrizes básicas estiverem prontas... e são mudanças como já venho falando, para nos colocar pra frente, para manter nossa vocação de curso inovador... é, mudar é preciso, ou viramos Zora.
Ao se transporem seis rios e três cadeias de montanhas, surge Zora, cidade que quem viu uma vez nunca mais consegue esquecer. Mas não porque deixe, como outras cidades memoráveis, uma imagem extraordinária nas recordações. Zora tem a propriedade de permanecer na memória ponto por ponto, na sucessão das ruas e das casas ao longo das ruas e das portas e janelas das casas, apesar de não demostrar particular beleza ou raridade. O seu segredo é o modo pelo qual o olhar percorre as figuras que se sucedem como uma partícula musical da qual não se pode modificar ou deslocar nenhuma nota. Quem sabe de cor como é feita Zora, à noite, quando não consegue dormir, imagina caminhar por suas ruas e recorda a seqüência em que se sucedem o relógio de ramos, a tenda listrada do barbeiro, o esguicho de nove borrifos, a torre de vidro do astrônomo, o quiosque do vendedor de melancias, a estátua do eremita e do leão, o banho turco, o café da esquina, a travessa que leva ao porto. Essa cidade que não se elimina da cabeça é como uma armadura ou um retículo em cujos espaços cada um pode colocar as coisas que deseja recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, classificações vegetais e minerais, datas de batalhas, constelações, partes do discurso. Entre cada noção e cada ponto do itinerário pode-se estabelecer uma relação de afinidades ou de contrastes que sirva de evocação a memória. De modo que os homens mais sábios do mundo são os que conhecem Zora de cor.
Mas foi inútil a minha viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e imutável para facilitar a memorização, Zora definhou, desfez-se e sumiu. Foi esquecida pelo mundo.

Calvino, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Tradução Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. A primeira edição é de 1972...

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